Tento não alterar as minhas rotinas só por estar frio e por essa razão, hoje vesti um pouco mais de roupa do que é habitual e saí por volta das 11 horas da manhã para o meu passeio a pé. Sempre que o surf ou a noitada de sábado o permitem, gosto de caminhar até à baixa de Faro ouvindo algumas das minhas músicas preferidas. Não me preocupo em usar maquilhagem ou em vestir um modelito que combine e nem mesmo em colocar uns brincos. Simplesmente pego nos meus óculos de Sol e lá vou eu de ar totalmente desmazelado passear durante uma hora.
O percurso é sempre o mesmo e raramente é alterado; sei onde vai estar a ria, onde vou atravessar as ruas, onde vão estar as cegonhas e até onde não vai estar o exibicionista que já não “dá as caras” há mais de um ano. Gosto desta rotina que me proporciona um conforto meio alheado da realidade que é acentuado por não conseguir ouvir os ruídos que existem à minha volta (vivam os leitores de mp3) e não sei se por coincidência, se por os outros sentirem repulsa do meu aspecto ou por ficar num estado supra-real, em sete anos de passeios, só por uma vez encontrei uma pessoa conhecida que quis falar comigo.
Mas hoje foi um dia diferente. Um homem muito jeitoso que estava de conversa com um colega (ambos guias turísticos) e com mais de 30 anos com quem me cruzo regularmente e com quem nunca tinha interagido dirigiu-me a palavra dizendo-me “Olá e muito bom dia!”. Eu olhei para ele e pensei “o gajo confundiu-me com uma turista e quer-me impingir um bilhete mas já o vou lixar” e respondi-lhe com um ar sorridente “muito bom dia” ao mesmo tempo em que pensava “ah, estás a ver, EU SOU PORTUGUESA e não quero ir passear até à Deserta; ou se calhar até queria desde que tu me acompanhasses…”
Mas quando cheguei a casa pensei que se calhar havia uma razão para esta súbita mudança de atitude por parte do jeitoso, mudança essa que não se devia ao facto de na manhã de hoje não haver ninguém na rua e de ele, provavelmente, estar com dificuldades para cumprir os objectivos de vendas de passeios turísticos. Aliás penso que aqui a chave de todo o enigma é mesmo o frio.
De acordo com alguém que ouvi falar na rádio, o El Niña é o fenómeno responsável por esta vaga de frio. Este fenómeno meteorológico, inicialmente local, consiste num arrefecimento anormal das águas do Oceano Pacífico e acaba por provocar alterações climáticas que afectam todo o planeta. Como é sabido, os microclimas influenciam não só a agricultura e a pastorícia, mas também toda a sociedade. De certeza que em Meimão (freguesia de Penamacor) só um microclima poderá explicar o facto de existirem cerca de 41 homens solteiros (num universo de cerca de 300 habitantes) que em virtude da escassez de mulheres em idade casadoira se têm dedicado ao associativismo.
Agora percebo que afinal esta frente polar traz com ela não só o frio, mas também hábitos saudáveis de engate, a uma cidade muitas vezes classificada como gay. Claro que em todas as situações há sempre perdas e ganhos; se eu e as minhas amigas poderemos ter muito a ganhar com isto, já a comunidade muito irá chorar, em virtude da nossa disponibilidade para organizar eventos gastronómicas se passar a dirigir para outro público-alvo.