O opinar sobre tudo, talvez seja uma competência específica dos portugueses mas, o que é certo é que, desde que me lembro que oiço os adultos que me rodeiam a “dizer mal” de quase tudo! Se, há uns anos atrás, isto apenas se verificava nas conversas entre amigos e conhecidos, actualmente isso é extensível aos meios de comunicação social – veja-se o caso dos programas de televisão em que o cidadão anónimo pode através de um mero telefonema dizer o que acha sobre os mais variados assuntos.
O tema por excelência deste tipo de discussões foi desde que há memória o futebol, mas nestes últimos anos existe um outro que, a pouco e pouco, vem conquistando por direito próprio o protagonismo – a educação. Não há ninguém que não tenha já manifestado o seu parecer sobre este tema:
- “Os professores com o ordenado que ganham, não devia nem de reclamar! Ganham muito mais que o meu marido.” – afirma sempre insistentemente a minha esteticista cujo marido é polícia;
- “Ai, isso agora está mal para os professores, não? Tenho ouvido dizer que eles agora têm de fazer muitas tabelas!” – lá dizia alguém que é gestora numa empresa de telecomunicações;
- “Como as aulas já acabaram já estás de férias…Sua sortuda!” – todos me dizem, sem que consiga compreender o que isso significa.
Cabe-me a mim esclarecer o que se passa actualmente no pelouro da educação, que já muitas vezes foi declarado como paixão por alguns governantes. Tudo começa no ano de 1995, em que um simples homem de seu nome António Guterres, no meio de uma sala de conferências totalmente cheia afirma que “A nossa convicção foi sempre de que a Educação seria a condição-chave de desenvolvimento. Independentemente dos resultados das próximas eleições legislativas, há hoje a convicção generalizada de que uma sociedade moderna só se desenvolve em ligação entre a Educação, a Ciência e o Emprego”. Rapidamente esta maleita se espalhou, primeiro a outros políticos da mesma cor partidária, depois aos elementos da oposição.
Com o intuito de acabar com este foco epidémico, todos aqueles que padeciam desta doença ou que se julgassem infectados foram encarcerados, primeiro na Residência Oficial de São Bento e depois num edifício situado na Avenida 5 de Outubro em Lisboa, munidos apenas de muito papel e lápis. Como tudo indicava, rapidamente a doença da “Paixão pela Educação” se disseminou e foi necessário encontrar outros locais onde os que dela padeciam pudessem ser submetidos a uma quarentena forçada. Primeiro utilizou-se a Assembleia da República, depois algumas Escolas Superiores de Educação, autarquias e actualmente recorre-se com muita frequência às escolas públicas. A sintomatologia inclui sinais tão díspares como :
- utilização frequente de vocábulos cujo significado é totalmente desconhecido;
- manifesta incapacidade em manter uma conversação inteligível;
- necessidade extrema de repetir tarefas;
- não compreensão da informação escrita, principalmente da legislação;
- grande satisfação em possuir muito papel (rascunhos, fotocópias, boletins informativos, …).
Desconhecendo-se o vector responsável pela disseminação da doença, é impossível encontrar o tratamento que a trave. As forças de manutenção da ordem receiam o pior, pois é mais do que evidente a agressividade latente nos atingidos por esta doença: a solidariedade é inexistente, a inveja é um sentimento dominante e quem domina as TIC exerce a sua superioridade. Apesar de todos os esforços, as autoridades, muitas delas também já afectadas pela doença, não conseguiram delimitar o surto epidémico e neste momento outros países também já foram atingidos. Veja-se o caso do Reino Unido onde a legislação irá impor que as crianças com menos de 5 anos sejam sujeitas a um exame em que a sua aprovação é essencial para a entrada no ensino pré-escolar. Neste exame avaliar-se-ão competências como: interagir com outras crianças, negociar, mudar de conversa, recitar o alfabeto, entre outras.
Mas a esperança existe, e por vezes chegam-nos relatos de resistentes; pessoas que terão desenvolvido características especiais que lhes permitem manterem-se imunes ao agente infeccioso. Quase como uma espécie de tradição oral, lá se vai tendo conhecimento de alguém que sem medo:
- diz a quem quer ouvir que a linguagem que muitos utilizam não é compreensível e até, em alguns casos, é inexistente;
- se recusa a desempenhar tarefas que não fazem sentido;
- insiste em manter registos informatizados em vez dos tradicionais registos em papel…