Em miúda era muitas vezes escolhida para interpretar as personagens principais dos teatrinhos lá da escola; não por possuir algum talento em especial, mas por ser alta e ter uma voz que “se ouvia por todo o lado”. À medida que fui crescendo e perdendo a minha graça natural de menina com jeito para as palavras lançadas ao vento, as artes foram, progressivamente, deixando de fazer parte da minha vida.
Nunca pensei nisso, até há cerca de três anos quando, por um mero acaso, subi a um palco, dancei pulando com toda a energia que tinha e beijei a face de um argentino já por duas vezes oscarizado e detentor de Globos de Ouro e BAFTA’s. Nesse noite, ao assistir a um concerto dos Bajofondo (na altura ainda Tango Club) tive o meu primeiro real contacto com o Tango; pelo menos o primeiro que não incluía pessoas com mais trinta anos do que eu, semelhantes aos meus tios e pais (o conflito de gerações foi responsável por ter demorado anos a apaixonar-me por este género musical). Depois disso, e com muita pena minha, nunca mais subi a um palco para integrar uma performance. No entanto, hoje num local que frequento com assiduidade foi a performance que me integrou a mim e sem qualquer aviso prévio.
Como todos sabem sou uma grande fã do supermercado Pingo Doce, quer dos seus produtos de marca branca quer das refeições com um toque de “mamã” que é possível comer por lá. Nestas últimas semanas tem decorrido a Quinzena Italiana e hoje havia mesmo uma degustação de Carpacio e de Farfalle al Verdure e Salmone acompanhada de animação musical em que um violinista (e mais um outro musico do qual não tenho qualquer memória a não ser a de que ele “ocupava espaço”) tocava musica dos Xutos e Pontapés (tenho a certeza que existirá uma razão para a escolha do repertório e que não terá nada a ver com o facto de o violinista pertencer aos Corvos). Aqui a menina que não perde uma promoção começou logo a dizer que assim que fosse buscar o tabuleiro queria comer o Carpacio (a felicidade por poder provar tão harmonioso prato era tão intensa que esqueci por completo que não como carne de vaca cozinhada e muito menos crua).
Quando finalmente vou buscar o meu pratinho de Carpacio tentam impingir-me um prato de massa que de imediato recuso. É nessa altura que sinto que alguém estava muito perto de mim, me rodeava e me envolvia de forma estranha. Tal era a minha vontade de comer o Carpacio e recusar o Farfalle al Verdure e Salmone que demorei algum tempo a perceber o que se passava. Mas assim que tomei consciência de que tinha um músico que sorria de orelha a orelha e tocava, movimentando-se em meu redor fixando em mim o seu olhar, baixei as guardas, sorri também e trouxe, além do Carpacio (de que não gostei e que apenas comi porque imaginei com todas as minhas forças que as fatias de carne fininhas eram presunto pouco curado) o prato de massa (absolutamente maravilhoso) que tentavam impingir-me.
Se eu já gostava do Pingo Doce, então a partir de agora…