Domingo, 13 de Abril de 2008

Mãe Soberana... ou apenas mais um happening pagão

                  

Em criança frequentei um colégio católico em que todas as professoras, freiras dotadas de uma elevada competência religioso-pedagógica, nos questionavam regularmente sobre as nossas expectativas, mais concretamente sobre quem de nós gostaria de ser freira.  Sendo eu uma aluna que se destacava, não só pelo mau comportamento, mas também, e sobretudo, pelo elevado aproveitamento, era sempre uma das primeiras a levantar a mão. Claro, que tal resposta afirmativa não transparecia as minhas reais intenções; esta era mais uma estratégia para me igualar à melhor aluna da turma – a Jaqueline, que além de ter um nome chique estrangeiro, era sempre a primeira em tudo, até em “levantar a mão” -  e deixar de estar no eterno segundo lugar que tanto me desgostava.

 

Esses episódios por si só, não teriam tido qualquer relevância e, provavelmente já teriam sido esquecidos há muito, se não me tivessem levado a uma das situações mais memoráveis da minha vida e que mais admiração têm causado a todos com quem já partilhei tão singular acontecimento: a da procura da Fé!  É isso mesmo, eu com 8 ou 9 anos decidi tentar perceber o que era isso da Fé.  Na tentativa de encontrar resposta a essa minha busca interior, num certo dia resolvi almoçar no menor tempo possível e isolar-me durante todo o intervalo de almoço na capela do colégio, tal e qual um eremita no seu santuário.  Mal cheguei à capela, não fiz o sinal da cruz, não me ajoelhei, não rezei e nem sequer pensei no Espírito Santo ou no Menino Jesus.  Limitei-me a ficar sentada esperando que a Fé chegasse e impregnasse o meu corpo de forma a que o desejo de ser freira fosse espontâneo e real, conseguindo assim ser melhor que a minha rival – a “insonsa” Jaqueline. 

 

Claro que hoje, já quase 30 anos depois, da Fé ainda não houve qualquer sinal, mas como sou uma pessoa muito determinada fiz recentemente uma nova tentativa para a encontrar. Desta feita, resolvi participar num evento com características cénicas muito particulares e onde simultaneamente existe uma grande margem para a improvisação e espontaneidade, que segundo alguns é mesmo a maior manifestação de religiosidade a Sul do Tejo – a Festa Grande da Mãe Soberana, em Loulé. 

 

Tinham-me dito que era uma espécie de procissão (uma marcha triunfal de acordo com alguns eruditos) que movia multidões e que envolvia subir um monte até uma capela, correndo encosta acima. Calcei umas botas confortáveis, coloquei uma garrafa de água dentro da mala e lá fui eu de encontro ao desconhecido. 

 

No adro da igreja eu era apenas mais uma pessoa igual a tantas outras que ali estavam: comia um gelado da Olá, enviava sms’s e ouvia as conversas dos outros.  Esperei pelo andor e quando ele finalmente se aproximou constatei que “dançava” ao som da banda filarmónica, percebendo logo ali que os reais protagonistas do espectáculo eram os “Homens do Andor” e não a Nossa Senhora da Piedade .  Não me emocionei e muitas das pessoas que por lá estavam também não -  a Fé não andava por ali!  Na realidade eu sentia a adrenalina a correr-me nas veias, não por estar mais próxima de Deus, mas sim por estar prestes a iniciar tão estranha peregrinação a um monte.

 

Quem percebia do assunto tinha-me dito que deveria “dar o braço” aos companheiros formando uma fila atrás da banda e acontecesse o que acontecesse nunca deveria abandonar a formação.  Assim que a marcha começou, senti uma grande inquietação interior e resolvi logo ali que deveria “saltar fora” ao primeiro sinal de perigo. Apesar de todos os alertas decidi levar a experiência até ao fim, pois não é todos os dias que somos levados a pensar que somos lutadores de “Vale-Tudo”. Tal como nesta modalidade desportiva, também aqui existe contacto total entre os participantes não havendo um estilo único: há quem empurre, há quem puxe e há quem simplesmente goste de sentir o calor humano…Quanto às claques presentes, atrevo-me a dizer que a dos “Homens do Andor” superou em muito a da “Mãe Soberana”, pela sua organização e palavras de incentivo.

 

Posso ainda não ter encontrado a Fé, mas o que é certo é que tal experiência muito enriquecedora jamais será esquecida!

publicado por Veruska às 14:29

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2 comentários:
De guiga a 15 de Abril de 2008 às 16:20
Já conheci a igreja, lá no alto, já me contaram como tudo acontece, mas nunca tive essa coragem! lol
Beijocas *.*
De João Chagas Aleixo a 15 de Abril de 2008 às 19:52

Caríssima Vera, congratulo-te por teres aceite o repto da destemida e curiosa Luísa, e de forma preparada e de espírito inteiramente aberto, te teres deslocado até Loulé, para participar na maior manifestação religiosa a Sul de Fátima.

Passados alguns anos, penso que podes finalmente dizer que ultrapassaste a “insonsa” Jaqueline, dado que dificilmente a tua antiga colega alguma vez tenha presenciado a Festa, uma vez que as saídas dos Conventos são muito difíceis de obter… Só por esse facto, um grande bem-haja.

Por outro lado, deixa-me dizer-te que o facto das pessoas não se emocionarem, não é sinónimo de que as mesmas não tenham Fé. Falando somente de mim, deixa-me dizer-te que é o único dia do ano, que ano após ano, as lágrimas invadem-me o rosto, de uma tal maneira que pareço uma madalena. Depende do sentimento de cada pessoa.

Em relação aos Homens do Andor, e há sua enorme popularidade, sei que ficaste deveras impressionada, o que até é normal, se tivermos em conta a sua singularidade e o seu peculiarismo. Estes dez homens, gostam-se de ver como humildes servidores da Igreja, obreiros deste peculiar culto mariano, mas são muito mais do que isso. As suas forças, o seu garbo e a posição que ocupam debaixo do andor que transporta a venerada Imagem, são invejados pela quase totalidade dos louletanos do sexo masculino, que gostariam de estar no seu lugar, pelas mais variadas razões. Fala-se em vaidade, prestígio, status social, etc…, eu quero só acreditar no seu altruísmo, ao emprestarem, desinteressadamente, as suas forças ao transporte do emblemático andor.

Quanto ao calor humano, e para decepção da amiga Luísa e se calhar também tua, ainda não é possível escolher as pessoas que vão na nossa fila de trás, ou seja, as pessoas que apoiam as suas suadas mãos nas nossas delicadas ancas, para nos ajudarem a cumprir tão valorosa missão, que é subir o Monte da Piedade, ao ritmo da procissão. É uma pena, mas é o sortilégio da procissão, tanto podem ser as calejadas mãos de um velho agricultor ou as macias mãos de um jovem atlético…é preciso ter uma certa dose de sorte.

No que diz respeito às “claques” estás redondamente enganada, uma vez que só presenciaste “in loco” a 20 minutos dos cerca de 150 minutos que compõem a procissão, portanto a tua amostra é somente de 13,33(3) do tempo total da procissão.
A título meramente pessoal, deixa-me dizer-te que da minha garganta saíram três sonoros, vibrantes, empolgantes e emocionados “VIVAS À MÃE SOBERANA” e nenhum aos “Homens do Andor”, vale o que vale, pois trata-se de uma amostra meramente individual.

Para acabar, disfruta do facto da tua ex-colega Jaqueline estar a roer-se de inveja: primeiro, por não ter ido à Festa Grande da Mãe Soberana; e segundo, por ter lido o teu post, algures num Convento perto de ti…

VIVA À MÃE SOBERANA!!!




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