A Primavera chegou na passada sexta-feira dia 20 de Março pelas 11horas e 44 minutos. Nessa data ocorreu o equinócio de Março, altura em que a duração da noite e do dia se igualaram. É também a partir desta marca do calendário que, teoricamente os dias começariam a ficar mais quentes, a flora iniciaria a sua maratona até ao esplendor e a fauna se empenharia em acasalar e reproduzir.
Mas como a Mudança Global é uma realidade, mesmo antes da chegada desta estação, os dias de calor já atrapalhavam quem ia trabalhar, as andorinhas já andavam feitas malucas e as árvores da rua onde moro ainda perdiam as folhas como se do Outono se tratasse. Talvez por acreditar no desenvolvimento sustentável ou quem sabe por este ser o ano em que se comemora o segundo centenário do nascimento do Darwin, as consequências desta alteração climática sempre foram encaradas por mim com muita seriedade. O que eu desconhecia é que com elas vinham arrastados outros fenómenos de difícil explicação, embora não sendo totalmente desconhecidos para as gerações de outros tempos.
O mais marcante desta nova onda de acontecimentos, ocorreu na véspera do equinócio, num dia em que já todos andavam de roupas leves, janelas dos carros abertas e um sorriso estampado no rosto enquanto trauteavam as canções preferidas a caminho do trabalho, a RTP começa a exibir um anúncio de promoção à Antena 1. Nele vê-se um condutor – o senhor Rui - preso no trânsito entabulando uma conversa com uma locutora de rádio através do próprio rádio do carro. Da conversa, fica-se a saber que o trânsito está parado devido a uma manifestação que só poderá ter como alvo “as pessoas que querem chegar a horas”!
As críticas surgiram de imediato e, quase todos ou mesmo todos os sectores da sociedade estavam de acordo – a anúncio era um “ataque ao direito de manifestação e à liberdade de expressão” – e menos de 24 horas depois já tinha sido retirado do ar.
Tal como o degelo das calotes polares, o aumento do nível médio das águas do mar ou o incremento do número de tornados, também fenómenos limitados a apenas algumas regiões do globo se tendem a generalizar e até a ressurgir no velho continente europeu. Congratulo-me com o facto de tudo isto parecer ser uma situação excepcional e não a regra pela qual nos iremos reger no futuro. Baseio esta afirmação no casting da personagem do senhor Rui. Depois de ver com algum detalhe o anúncio, percebe-se que este actor foi coagido a participar no vídeo. A forma como agita a cabeça de um lado para o outro, a boca semi-aberta, a voz “cantada” e com entoação pouco natural, o sorriso à “palhacito” e a postura pouco natural, denunciam que o senhor Rui não estaria na posse de todas as suas faculdades mentais e que só por essa razão é que foi escolhido para protagonista.
Tento não alterar as minhas rotinas só por estar frio e por essa razão, hoje vesti um pouco mais de roupa do que é habitual e saí por volta das 11 horas da manhã para o meu passeio a pé. Sempre que o surf ou a noitada de sábado o permitem, gosto de caminhar até à baixa de Faro ouvindo algumas das minhas músicas preferidas. Não me preocupo em usar maquilhagem ou em vestir um modelito que combine e nem mesmo em colocar uns brincos. Simplesmente pego nos meus óculos de Sol e lá vou eu de ar totalmente desmazelado passear durante uma hora.
O percurso é sempre o mesmo e raramente é alterado; sei onde vai estar a ria, onde vou atravessar as ruas, onde vão estar as cegonhas e até onde não vai estar o exibicionista que já não “dá as caras” há mais de um ano. Gosto desta rotina que me proporciona um conforto meio alheado da realidade que é acentuado por não conseguir ouvir os ruídos que existem à minha volta (vivam os leitores de mp3) e não sei se por coincidência, se por os outros sentirem repulsa do meu aspecto ou por ficar num estado supra-real, em sete anos de passeios, só por uma vez encontrei uma pessoa conhecida que quis falar comigo.
Mas hoje foi um dia diferente. Um homem muito jeitoso que estava de conversa com um colega (ambos guias turísticos) e com mais de 30 anos com quem me cruzo regularmente e com quem nunca tinha interagido dirigiu-me a palavra dizendo-me “Olá e muito bom dia!”. Eu olhei para ele e pensei “o gajo confundiu-me com uma turista e quer-me impingir um bilhete mas já o vou lixar” e respondi-lhe com um ar sorridente “muito bom dia” ao mesmo tempo em que pensava “ah, estás a ver, EU SOU PORTUGUESA e não quero ir passear até à Deserta; ou se calhar até queria desde que tu me acompanhasses…”
Mas quando cheguei a casa pensei que se calhar havia uma razão para esta súbita mudança de atitude por parte do jeitoso, mudança essa que não se devia ao facto de na manhã de hoje não haver ninguém na rua e de ele, provavelmente, estar com dificuldades para cumprir os objectivos de vendas de passeios turísticos. Aliás penso que aqui a chave de todo o enigma é mesmo o frio.
De acordo com alguém que ouvi falar na rádio, o El Niña é o fenómeno responsável por esta vaga de frio. Este fenómeno meteorológico, inicialmente local, consiste num arrefecimento anormal das águas do Oceano Pacífico e acaba por provocar alterações climáticas que afectam todo o planeta. Como é sabido, os microclimas influenciam não só a agricultura e a pastorícia, mas também toda a sociedade. De certeza que em Meimão (freguesia de Penamacor) só um microclima poderá explicar o facto de existirem cerca de 41 homens solteiros (num universo de cerca de 300 habitantes) que em virtude da escassez de mulheres em idade casadoira se têm dedicado ao associativismo.
Agora percebo que afinal esta frente polar traz com ela não só o frio, mas também hábitos saudáveis de engate, a uma cidade muitas vezes classificada como gay. Claro que em todas as situações há sempre perdas e ganhos; se eu e as minhas amigas poderemos ter muito a ganhar com isto, já a comunidade muito irá chorar, em virtude da nossa disponibilidade para organizar eventos gastronómicas se passar a dirigir para outro público-alvo.