






Nunca tinham compreendido como tinham lá ido parar. A última coisa de que se lembravam era da mota e do capacete com o inscrição “Good Luck”. Teria sido uma premonição o que tinham vivido no Ludo? Será que tudo não passava de um sonho?
As dúvidas acentuavam-se à medida que passava cada segundo. De certeza, só tinham o facto de a ria continuar presente. Aquele imenso sapal fazia parte das suas vidas e nada havia a fazer. Apesar de habituados a situações de perigo, sentiam-se desconfortáveis com mais uma estranha aventura. Tinham deixado para trás os companheiros e o perigo de encontrarem os Outros também por ali, aumentava-lhes o ritmo cardíaco.
Iniciaram cuidadosamente a caminhada junto ao carril ferroviário procurando não só sinais de outros habitantes, como também pontos de referência que lhes pudessem ser úteis. Heather, como sempre acontecia, assumia a liderança e levava com ela os companheiros que apesar de destemidos sentiam algum receio em enfrentar o desconhecido. Ramón sentiu a necessidade de apressar o passo e mostrar a Heather, por quem nutria sentimentos especiais e secretos, que não temia nada do que pudesse encontrar e que era tão ou mais empreendedor que o John Smith.
- Olhem! – gritava Ramón apontando para o engenho que avistava. – É um comboio!
- Cuidado, os Outros podem estar por perto. – dizia John.
- Primeiro uma mota, agora um comboio…- pensava Heather.
Perto do comboio nem vivalma. Continuaram a caminhada e já mais perto da praia encontraram um relvado que não era um campo de golfe. Dos Outros não existiam nem vestígios. Eis que de repente em frente ao mar avistam um areal coberto de âncoras enferrujadas.








Heather já tinha perdido a conta aos dias em que estava naquele local rodeado por mar e por campos de golfe. Tanto ela como os seus companheiros mais próximos, Ramón e John, já tinham percorrido aquele sítio vezes sem conta e continuavam sem perceber tão denso mistério.
Tudo tinha começado há muito tempo atrás, quando o voo da Easyjet BN1516 que provinha de Londres e tinha como destino Faro, se despenhara. O avião partira-se ao meio e caíra no meio daquele imenso sapal. Vários sobreviveram ao desastre, e depressa se instalou no ar a confiança de que iriam ser rapidamente encontrados – todos acreditavam que o acidente se tinha dado já perto do destino e que as autoridades iriam realizar tudo o que estava ao seu alcance para os socorrer.
Os primeiros dias foram de agonia. Apesar de muitos sobreviverem houve outros que acabaram por falecer vítimas dos vários traumatismos sofridos. Foi nessa altura, que daquele conjunto de desconhecidos, os líderes se destacaram e vários grupos se formaram: os empreiteiros que habilmente construíam estruturas que pudessem oferecer algum conforto aos sobreviventes; os colectores que providenciavam a comida, sobretudo peixe e uma ou outra ave que conseguiam capturar; os exploradores que se ocupavam em desvendar os segredos da região… Era neste último grupo que se inseriam Heather Pinker, Ramón Gonzales e John Smith – três cidadãos britânicos que já tinham visitado o Algarve por diversas vezes. Heather era a mais obstinada e aventureira do grupo e por essa razão envolvia-se frequentemente em conflitos com os seus colegas, mas no entanto era adorada por todos. Ramón e John tinham um carisma impossível de explicar e uma personalidade motivada pela descoberta, que acentuava a compatibilidade entre eles.
Naquele dia resolveram mais uma vez rumar ao lado Norte da ria com o objectivo de explorar a ponte de madeira que lá se situava. Decidiram ir quando o Sol assinalava o meio-dia, hora em que era mais fácil evitar os Outros (nativos que habitavam a ria e que frequentemente, de manhã e ao final da tarde, eram avistados caminhando, correndo, andando de bicicleta ou jogando golfe). Já sabiam pela sua experiência que estes seres apesar de parecerem amistosos, capturavam as pessoas e obrigavam-nas a permanecer no seu meio. Enquanto caminhavam, os nossos personagens principais raramente falavam. Conheciam-se já tão bem que frequentemente comunicavam de forma extra-sensorial - um pequeno arquear de sobrancelhas apontava o local onde estavam os flamingos, um ligeiro esgar do rosto indicava o bando de patos selvagens que iniciava o seu voo ou um olhar de soslaio para voltar a observar mais uma vez o monte de sal rodeado por quatro baixos muros cujo segredo ainda não tinha sido desvendado.
- Já se avista ponte – sussurrou Heather.
- Sim – respondeu John – estamos quase lá. A partir do sítio onde está a Máquina temos de ter mais cuidado para evitar os Outros. O golfe está próximo…
A Máquina era um mecanismo associado ao sistema de canais de água da ria. Existiam vários destes engenhos e no início alguns tinham sido mesmo destruídos, mas este, o oitavo a ser encontrado, era preservado até se decidir o que fazer com ele.
- Olhem! O que é aquilo?
- O quê?
- Aquilo. – dizia Heather enquanto apontava com o indicador direito – Parece uma mota.
- É uma mota! – exclamou John à medida que se aproximava e já com a adrenalina a disparar.
Não havia dúvida tratava-se de uma Sach Lebre de matrícula 8-NMP e em cima do selim um velho capacete com a inscrição “Good Luck”.